Intolerância à incerteza

O isolamento social que muitos estão submetidos, sem ter tido a opção de escolha, devido à pandemia do novo coronavírus, pode acarretar afrouxamento de algumas relações íntimas, problemas de casais, relacionamentos tumultuado com os filhos, medo do contato com o vírus, medo da perda e, não menos doloroso, medo da perda financeira.

A incerteza ronda e está presente a todo tempo. Sabe-se que, em algum momento, há a preocupação com o futuro, a busca de resposta, a certeza de que vai passar e a rotina, como era antes, voltará a ser como antes. No entanto, o que fazer para buscar essa certeza? Tomemos como exemplo o contexto atual. A procura por informações em fontes confiáveis, leituras de como os países estão se adaptando e aos poucos voltando para suas atividades, o conhecimento das medidas que os países tomaram para reduzir a mortalidade causada pelo vírus, pode ajudar a acalentar nosso coração. Talvez isso não baste para que a preocupação e a incerteza desapareçam, como também, não ajude a termos o controle do nosso pensamento, o pensar positivo e de uma maneira otimista nem sempre será alcançado.

O que fazer, então, diante da incerteza, mesmo sabendo que, muitas vezes, já a vivenciamos em outros momentos? Será que a possibilidade real de contaminação com o vírus está deixando ou permitindo que as pessoas fiquem mais ansiosas, deprimidas, tenham ataques de pânico ou qualquer outro sinal e sintoma de transtorno mental? O que é normal sentir neste momento e o que não é?

Para responder a esses questionamentos, devemos refletir e analisar sobre o processo de despatologização. Isso quer dizer, não patologizar aquilo que seja perfeitamente normal sentir no meio do caos? É possível ter insegurança, medo, incerteza, medo de não conseguir retomar as atividades como eram antes? E se for normal, o jeito é aceitar e viver essa dor, esse desconforto emocional, esse turbilhão de pensamentos que nos maltratam?

Sem dúvida, alguns de nós sentiremos e vivenciaremos desconfortos mais intensos e frequentes, sintomas compatíveis com transtorno mental, como o transtorno de depressão maior, transtorno de pânico, transtorno bipolar, entre outros, os quais vão além do que é natural sentir. O transtorno mental é caracterizado por perturbação significativa nos pensamentos, sentimentos ou comportamento do indivíduo que reflete no funcionamento diário, seja nas atividades de vida diária, acadêmicas, profissionais ou relacionamentos interpessoais. Diante disso, é imprescindível a busca de ajuda profissional o quanto antes.

No que diz respeito ao funcionamento saudável e ao processo de despatologização sentir angústia, preocupação, são sensações esperadas em uma situação que exige uma adaptação, é natural não estar “tão bem e feliz” frequentemente. As emoções são indispensáveis para nossa sobrevivência e perpetuação da espécie, a ansiedade e o estresse são reações adaptativas do organismo para lidar com situações potencialmente perigosas e de ameaça à integridade física e psicológica do individuo. Por isso, no caso do COVID-19 a busca de informações para cuidar da saúde, evitar a contaminação em massa e traçar estratégias para a manutenção do salário e rendimentos são condutas que contribuirão para a adaptação diante da necessidade e de um provável perigo.

Se forem normais os sentimentos de ansiedade, de preocupação e de incerteza quanto ao futuro, em até dada proporção, só devo aceitar? Algumas orientações sobre essa interrogação: A energia usada por uma pessoa para se ter certeza de algo só gerará desgaste e provavelmente ela se deparará com o insucesso dessa busca. Alguns exemplos: procurar demasiadas informações antes de começar uma nova atividade, indo além do que é necessário para iniciar o novo projeto/atividade; buscar em excesso a opinião de outros para se sentir seguro, ou procrastinar porque não está seguro da se é melhor decisão. O futuro é incerto! Não importa o quanto planejamos nossa vida, haverá a possibilidade de acontecer algo inesperado.

O desafio, como exercício, é aumentar nossa tolerância à incerteza ou agir como se fosse tolerante à certeza, ou seja, se eu fosse tolerante à certeza, o que faria, por exemplo, ao me deparar com a possível contaminação com o vírus? A resposta poderia ser: lavar as mãos, ter o cuidado necessário, evitar aglomerações. É importante ressaltar que focar no que pode ser feito no momento, não significa sentir-se totalmente calmo ao realizar a atividade, ou livre de qualquer preocupação, mas sim usar o comportamento “adequado” para a necessidade real do momento. Com essa atitude, não estou ignorando o futuro, ou vivendo como se não houvesse um amanhã.

Outro exercício utilizado para aumentar a tolerância e diminuir os pensamentos negativos e catastróficos é a aceitação do pensamento. Pensamentos são pensamentos, não necessariamente são uma verdade absoluta da situação. Essa aceitação consiste em aceitar os pensamentos em vez de tentar controlá-los. No lugar da crítica ou da lástima por ter um problema, você pode começar a aceitar e reconhecer o problema e encontrar uma solução viável para o momento presente.

Exercícios que envolvem meditação, mindfulness também contribuem para o aumento da nossa tolerância à incerteza. Rede de apoio e ajuda profissional, mesmo virtual, também são considerados fundamentais nesta travessia da busca da certeza para até chegarmos à tolerância a incerteza.

Referências

Dugas, M. J & Robichaud, M. (2009). Tratamento cognitivo-comportamental para o transtorno de ansiedade generalizada: da ciência a prática. Rio de Janeiro. Editora Cognitiva.

Leahy, R. (2019). Técnicas de terapia cognitiva: manual do terapeuta. 2 ed. Porto Alegre. Artmed.

Autora: Thaysa Castro Molina

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